21 de jun. de 2011

As Cidades Invisíveis



Continuando a série de livros que tenho lido em função do workshop de "Narrativas de Viagem", fiquei absolutamente encantando com o livro de Ítalo Calvino, "As Cidades Invisíveis". Justo nessa aula, infelizmente, tive que faltar, mas mesmo assim continuei minha leitura do livro.

Cada capítulo do livro descreve uma cidade visitada por Marco Polo e relatada para o imperador Kublai Khan. Os capítulos também são separados por categorias: as cidades e a memória, as cidades e os símbolos, as cidades e o desejo, as cidades e o nome, etc. Portanto, cada leitura de capítulo se completa, mas ao mesmo tempo se intercala com as demais. Por exemplo, fala-se de Anastácia que é uma cidade "no qual nenhum desejo é desperdiçado e do qual você faz parte, e, uma vez que aqui se goza tudo o que não se goza em outros lugares, não resta nada além de residir nesse desejo e se satisfazer". Sobre Anastácia conclui que "você acha que está se divertindo em Anastácia quando não passa de seu escravo". Ou sobre a memória, a cidade de Zora, "obrigada a permanecer imóvel e imutável para facilitar a memorização, Zora definhou, desfez-se e sumiu. Foi esquecida pelo mundo".



Além dos capítulos sobre as cidades, existem também as conversas entre Marco Polo e Kublai Khan, que são cheias de preciosidades. Numa das conversas que mais me fascinou, Kublai Khan questiona qual o propósito de viajar. A conversa em si é como se cada um (Marco Polo e Kublai Khan) desenvolvessem seus pensamentos dentro de suas próprias mentes, sem de fato enunciarem o que estavam pensando, pelo fato de terem pensamentos parecidos mas precisassem desenvolver um fio de argumentação para si mesmos. Mas o que mais importa (para mim, pelo menos) é sobre o viajar.

"Marco Polo imaginava responder (ou Kublai imaginava a sua resposta) que, quanto mais se perdia em bairros desconhecidos de cidades distantes, melhor compreendia as outras cidades que havia atravessado para poder chegar lá, e reconstituía as etapas de suas viagens, e aprendia a conhecer o porto de onde havia zarpado, e os lugares familiares de sua juventude, e os arredores de casa, e uma pracinha de Veneza em que corria quando era criança.

Neste ponto, Kublai Khan o interrompia ou imaginava interrompe-lo ou Marco Polo imaginava ser interrompido com uma pergunta como:

- Você avança com a cabeça voltada para trás? - ou então: - O que você vê está sempre às suas costas? - ou melhor: - A sua viagem só se dá no passado?

Tudo isso para que Marco Polo pudesse explicar ou imaginar explicar ou ser imaginado explicando ou finalmente conseguir explicar a si mesmo que aquilo que ele procurava estava diante de si, e, mesmo que se tratasse do passado, era um passado que mudava à medida que ele prosseguia a sua viagem, porque o passado do viajante muda de acordo com o itinerário realizado, não o passado recente ao qual cada dia que passa acrescenta um dia, mas um passado mais remoto. Ao chegar a uma nova cidade, o viajante reencontra um passado que não lembrava existir: a surpresa daquilo que você deixou de ser ou deixou de possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos conhecidos.

Marco entra numa cidade; vê alguém numa praça que vive uma vida ou um instante que poderiam ser seus; ele podia estar no lugar daquele homem se tivesse parado no tempo tanto tempo atrás, ou então se tanto tempo atrás numa encruzilhada tivesse tomado uma estrada em vez de outra e depois de uma longa viagem se encontrasse no lugar daquele homem e naquela praça. Agora, desse passado real ou hipotético, ele está excluído; não pode parar; deve prosseguir até uma outra cidade em que outro passado aguarda por ele, ou algo que talvez fosse um um possível futuro e que agora é o presente de outra pessoa. Os futuros não realizados são apenas ramos do passado: ramos secos.
- Você viaja para reviver o seu passado? - era, a esta altura, a pergunta do Khan, que também podia ser formulada da seguinte maneira - Você viaja para reencontrar o seu futuro?

E a resposta de Marco:

- Os outros lugares são espelhos em negativo. O viajante reconhece o pouco que é seu descobrindo o muito que não teve e o que não terá."


Nesse diálogo, o que mais me fascinou é a ideia da viagem como forma de conhecer outros "ramos", outras possibilidades de sua vida que não foram realizadas. Para mim, a viagem é como se por algum momento você pudesse visualizar outras vidas, outros lugares, outros caminhos que não o seu.

Assim como o cinema, a viagem acaba tendo esse aspecto escapista, mas ao mesmo tempo permite o auto-conhecimento. A partir do que você não é, do que não tem e do que você não vive, é muito mais fácil saber quem você é. E também ao conhecer os outros caminhos, também permite que você os viva, nem que seja um pouco, para depois voltar fortalecido para as suas próprias vivências, fora do mundo das viagens e do cinema, agora sim no que você pode viver e realizar de fato.



 

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