16 de ago. de 2012

A Tentação


Charlie Hunnan e Patrick Wilson estabelecem um interessante
embate ideológico e dramático em "A Tentação"
Ao contrário do provérbio, "A Tentação" é um filme em que religião se discute

Sempre é louvável quando um filme aborda um tema que não é muito comum no cinema. É o caso desse "A Tentação" (The Ledge, 2011), do diretor e roteirista Matthew Chapman.  No caso, aqui o tema a ser discutido é a religião. Se você acredita que religião e política não se discutem, talvez seja a hora de rever esses conceitos, uma vez que muito de nossas vidas é regulada por esses dois assuntos. No filme, Gavin, um homem ateu (Charlie Hunnan, da versão inglesa de Queer as Folk) se envolve cada vez mais com um casal de vizinhos religiosos (Liv Tyler e Patrick Wilson). O filme também poderia ser resumido de outra forma: um policial que acaba de viver uma péssima descoberta sobre sua vida familiar tem que lidar com um homem, Gavin, que está no alto de um prédio, prestes a se jogar. No entanto, a primeira story-line resume o que filme tem de melhor.


(AVISO: O TEXTO CONTÉM SPOILERS)

O currículo de Chapman não é lá muito bom: sua última produção como diretor foi em 1988 e já foi indicado ao Framboesa de Ouro pelo roteiro de "A Cor da Noite" (aquele filme com o Bruce Willis... enfim). O filme, no entanto, tem diversos méritos, seja pelo tema original e interessante, mas também pela construção dos personagens. Gavin é de longe o personagem mais interessante do filme. Hunnan é um ator muito talentoso, traz carisma ao irônico e descontraído personagem, que se relaciona de forma afetuosa e humana com todos que estão ao seu redor, principalmente com o amigo gay com quem divide o apartamento. Seu antagonista, Joe Harris (Wilson), é o fanático religioso que segue as palavras da Bíblia ao pé da letra, mas tem pouco de humano em seu relacionamento com a esposa Shana (Liv Tyler). Esse contraponto do ateu humano x religioso frio é certamente um dos pontos fortes dessa história, justamente porque foge do senso comum. Um diálogo em que os dois personagens contrapõem suas ideias sobre religião é uma das melhores cenas do filme.

No entanto, o conflito entre os personagens, conforme avança para o seu desenlace, desenvolve-se de forma maniqueísta. O religioso poderia ter nuances menos vilanescas e o ateu poderia ter aspectos menos heróicos. O autor força um pouco os extremos para salientar quem está certo e quem está errado. Não precisava.

O esqueleto do roteiro também é bastante convencional. No alto do prédio, Gavin começa a contar ao policial porque está naquela situação. E a história do envolvimento de Gavin com seus vizinhos religiosos é apresentada através de flashbacks, que supostamente seriam sob o ponto de vista de Gavin. No entanto, em diversos momentos vemos a história sob o ponto de vista de Joe ou de Shana, o que resulta incoerente já que a proposta do roteiro é que estamos conhecendo a história através dos relatos de Gavin ao policial.

O filme teve diversas dificuldades de produção junto aos estúdios, por conta do tema não muito popular. "É um assunto tabu nos EUA", Chapman diz em texto do Estado de São Paulo. "Até para filmar rapidamente, baixando os custos, ele admite que o filme foi muito escrito e planejado". O filme tem diversos méritos, seja na abordagem de religiosos que invadem as liberdades individuais e querem regular a vida dos outros (assunto mais do que atual) ou no terno relacionamento estabelecido entre os personagens de Gavin e Shana, que envolve e emociona graças ao carisma de seus intérpretes. Um filme que merece ser assistido e discutido, porque religião e cinema sempre se discutem.

Cotação do Janela Indiscreta: * * * *


FICHA TÉCNICA
Diretor: Matthew Chapman
Elenco: Charlie Hunnam, Terrence Howard, Liv Tyler, Patrick Wilson, Jaqueline Fleming, Christopher Gorham, Geraldine Singer, Dean J. West, Jillian Batherson, Mike Pniewski
Produção: Mark Damon, Moshe Diamant, Michael Mailer
Roteiro: Matthew Chapman
Fotografia: Bobby Bukowski
Trilha Sonora: Nathan Barr
Duração: 101 min.
Ano: 2011
País: EUA
Gênero: Drama
Cor: Colorido
Distribuidora: Vinny Filmes
Estúdio: Film & Entertainment VIP Medienfonds 4 GmbH & Co. KG (I)
Classificação: 14 anos





4 comentários:

  1. MUITOS SPOILERS: Eu adorei o filme, finalmente tiveram coragem de fazer uma história sobre isso. Só não concordo com sua crítica sobre o maniqueísmo do filme. Ao contrário, o personagem ateu não me parece heróico, ele é frágil, faz besteira, trai, assedia sexualmente uma funcionária. E o religioso também não é tão vilanesco, pois é justamente quem está sendo enganado e tenta dar uma lição de moral ao invés de ir diretamente ao assunto e matar logo o cara e a mulher, como faria qualquer homem que não tem nada a perder. O filme é bem rico dá margem a muitas interpretações. Eu por exemplo, não concordo com o suicídio no final, porque o que o personagem fez foi aceitar uma condição de chantagem, o que poderia dar margem a mais chantagens por parte do personagem religioso. O ateu foi fraco e não conseguia conviver com a morte da própria filha, acho que por isso se matou, não pela sua recente amada, tanto que olha várias vezes para a foto da filha antes de se jogar.

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    1. Também não gostei do final. Aliás, toda essa questão da filha também pode levar a entender que o fato dele ter virado ateu foi por causa da morte da filha, o que também pode desmoronar toda a força do filme.

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  2. Outra coisa... não se sabe se realmente o personagem religioso mataria alguém ou estava só blefando. Tanto que ele espera todas as badaladas do relógio para agir e mesmo assim aguarda a polícia. Talvez ele só quisesse usar sua astúcia para fazer o ateu cometer suicídio para dar uma lição a esposa.

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